« Eu achava que este dia não era para mim. Mas é. Este dia, afinal, é para mim.
E é para mim e para todas as mulheres que, fora do meu etnocentrismo, continuam a precisar de um dia que as lembre da luta pela igualde. É para mim e para Jyoti Singhque, a rapariga de 23 anos que, na Índia, foi violada por um grupo de homens, às nove da noite, num autocarro depois de ter ido assistir à "Vida de Pi". É para mim e para as meninas que, todos os dias, na Guiné Bissau são vítimas de mutilação genital feminina à sombra de crenças e de Deuses que acreditam que não merecem sentir prazer. É para mim e para todas as mulheres que têm que usar burka. É para mim e para todas as mulheres que são vendidas como escravas sexuais neste mundo fora. É para mim e para todas as mulheres na Arábia Saudita que ainda não podem conduzir, mas que, em 2016, quando se realizarem eleições autárquicas, vão poder candidatar-se e votar. É para mim e para as mulheres da Nigéria, para quem a violência “vinda do marido com o objectivo de corrigir a sua mulher” está prevista na lei. É para mim e paras a mulheres de Madagáscar que não podem trabalhar em fábricas à noite, a não ser que estas pertençam à sua família. É para mim e para as mulheres da República Democrática do Congo, que são obrigadas a casar e a viver com os marido e a estar com eles onde quer que "o homem decida viver”, não podem assinar qualquer contrato, escolher um emprego ou ter um negócio sem a autorização do cônjuge. É para mim e para as mulheres da Tunísia e dos Emiratos Árabes Unidos que recebem apenas metade da herança em relação aos irmãos do sexo masculino. É para mim e para uma em cada 4 que, em Portugal, se encontra desempregada. É para mim e para as mulheres que em Portugal, em 2015, continuam a sofrer uma disparidade salarial de 13% face aos homens que ocupam iguais cargos. É para mim e para as mulheres de todos os 319 homens que usam, neste momento, pulseira electrónica no âmbito de casos de violência doméstica. É para mim e para as 47 mulheres que o ano passado morreram vítimas de violência doméstica. É para mim e para as mulheres que são assediadas no local de trabalho, para as mulheres que são dispensadas dos empregos grávidas ou em licença de maternidade. É para mim e para as mulheres que têm maridos que as "ajudam" nas tarefas domésticas como se fossem actores secundários da gestão doméstica. É para mim e para as minhas antepassadas que não votaram, não trabalharam sem ser confinadas ao lar e ao trabalho de campo, que não tiveram acesso à escola, ao alfabetismo, que foram damas de companhia de pais e avós, que casaram por combinação dos pais, que nunca beijaram de língua, que fizeram filhos "sem ser por gosto", que morreram sem saber o sabor da liberdade e da igualdade.
Eu achava que este dia não era para mim. Mas é. Este dia, afinal, é, sobretudo, para mim. Para me lembrar de sair do meu etnocentismo, de perceber que a luta continua, que as desigualdades continuam e da utopia de este dia, um dia, não ser preciso para mim. Nem para mais ninguém.».