Não sou filho de escritores, nem de músicos, nem de presidentes de associações culturais, nem de editores, nem de livreiros. Sou filho orgulhoso dos meus dois heróis: um funcionário público e ...uma empregada de escritório (que mais tarde se tornou, por culpa das necessidades da vida e de uma personalidade de antes quebrar que torcer, esteticista – já depois dos seus quarenta anos).
Não sou amigo de ministros, de presidentes da república, de políticos. Sou amigo de poucas pessoas e estou-me nas tintas para as suas profissões.
Não frequento capelas literárias, não lambo botas a proeminentes figuras da cultura, sejam elas de esquerda ou de direita, não procuro protagonismo nem agradar a quem quer que seja. Frequento cafés de bairro, recintos desportivos, parques públicos, festas populares – e sobretudo a minha casa e a casa daqueles que amo e que quero bem.
Não faço questão de mostrar que li os clássicos, não uso citações de autores unânimes, não me esforço para escrever a literatura que os iluminados gostam de ler. Escrevo o que bem me apetece, quando bem me apetece, da maneira que bem me apetece.
Não creio que a literatura possa ser avaliada à luz de cânones, de preconceitos, de redes fascistas de análise. Creio que há dois tipos de literatura: a que mexe comigo – que é a boa; e a que não mexe comigo – que é a má. Seja escrita pelo escritor que vence prémios seja escrita pelo adolescente que responde no exame. Se mexe comigo é boa; se não mexe comigo é má.
Não me interessa particularmente que me chamem escritor, ou artista, ou qualquer coisa do género. Não me levo a sério em nada e muito menos naquilo que escrevo. Interessa-me que me chamem Pedro, porque é o meu nome, e que vejam em mim apenas isso: um Pedro como outro qualquer.
Não sou intelectual, nunca fui intelectual e nunca serei um intelectual. Sou um gajo que tenta ser porreiro, nada mais, e que tudo o que quer é estar de bem com a vida.
Não acredito em leitores de primeira e em leitores de segunda. Acredito que todo o leitor merece igual respeito, seja qual for a sua ocupação ou a sua formação. Porque a arte não é elitista. As pessoas é que o podem ser.
Em Portugal, meia dúzia de iluminados publica outra meia dúzia de iluminados. Depois, meia dúzia de iluminados elogia - nos seus jornais, revistas, rádios e programas de televisão – outra meia dúzia de iluminados. Mais tarde, a meia dúzia de sempre convida a meia dúzia de sempre para os seus programas de sempre onde faz as mesmas perguntas de sempre com as mesmas respostas de sempre para o mesmo público de sempre. Até porque um artista genial dessa meia dúzia de sempre ganhou o prémio literário de sempre, decidido pelo júri de sempre, composto por dois ou três dessa meia dúzia de sempre. Uma mão lava – e suja – a outra, numa espécie de máfia silenciosa, cobarde, invejosa. É esta máfia que, mais do que tudo o resto, afasta pessoas da leitura. Porque lhes inculca a ideia, bacoca, de que só alguns conseguem escrever como deve ser, de que só alguns conseguem ler como deve ser, de que só os livros que eles querem ler é que devem ser lidos. E é assim que a máquina vai funcionando desde sempre: num círculo fechado, um fenómeno de masturbação selectiva que alimenta toda a gente. E quem vem de fora – um filho de um funcionário público e de uma empregada de escritório, por exemplo – não pode entrar. A não ser, claro, que esteja disposto a pedinchar atenção, validação, aprovação por parte dos Excelentíssimos Padrinhos. Mimalhos.
Os iluminados deste país estão incomodados com o meu sucesso. Dizem que é uma vergonha eu estar no top de vendas. E é. Onde é que já se viu alguém que não os conhece nem tem o mínimo interesse em conhecê-los vender mais do que eles? Dizem ainda que os meus leitores são todos burros, que não percebem nada de literatura, e que os bons escritores são outros – os que eles, curiosamente, conhecem. Destilam ódio por todos os lados, enviam-me mensagens, criticam-me nas redes sociais. E têm toda a razão, os pobrezinhos.
Mas hoje escrevo para repor a justiça – e para, com sinceridade e com carinho, lhes comunicar que é a eles, mais do que a todos os outros, que devo estar onde estou. É a eles que devo nunca ter desistido de escrever, nunca ter parado de lutar, nunca ter pousado a caneta. Porque foram eles, com a sua soberba bafienta, que me levaram a perceber que não é por decreto que se decide qual é a arte boa ou a arte má – muito menos o que é arte e o que não é. Vim do povo, tenho um prazer maluco de ter vindo do povo e estou-me borrifando para o que a elite intelectual tem para dizer sobre mim. E os meus leitores são tão bons como os deles (eu tenho a certeza de que são melhores, mas isso sou eu e a minha opinião nisto é tudo menos isenta). Sejam trolhas, engenheiros, calceteiros, linguistas, cantoneiros ou médicos. Recebo todos os dias dezenas de mensagens elogiosas, e emocionantes, de pessoas de todas as idades, de todos os estratos; tenho nas minhas apresentações centenas (sim: centenas) de pessoas de todas as idades, de todos os estratos - pessoas que já leram Rimbaud, pessoas que já leram os almanaques da Disney e o jornal “A Bola” ou “O Crime”, pessoas que ouvem o Toy e pessoas que ouvem Mahler. Isso interessa-me zero. Nicles. São leitores – e cada leitor merece, de mim, o mesmo respeito. Sem tirar nem pôr. E para mim a arte é isso: tocar nas pessoas, agarrá-las, abraçá-las, fazê-las sorrir, pensar, chorar, olhar, querer ou deixar de querer. Fazê-las ser.
Já vai longa esta humilde prosa – que na verdade serve apenas para agradecer aos literatos, do mais fundo de mim, todo o apoio e toda a força que me têm dado. Sem eles, podem ter a certeza, nunca estaria no top de vendas. Prometam-me, por favor, que continuam por aí. Será essa a garantia de que também eu por aqui continuarei.
P.S.: Aos meus leitores, aqui fica um obrigado muito especial. E um pedido: continuem a mandar bugiar quem quer domesticar com dogmas, com preconceitos, com prenoções patetas. Não precisam de gostar do que eu escrevo – mas se não gostarem façam-no mesmo porque não gostam, e não porque um monte de inúteis vos adestrou. Combinado?
segunda-feira, 16 de junho de 2014
top. adoro este homem e tem tanta razão, mas tanta.
AGRADECIMENTO FOFINHO AOS LITERATOS DESTE PAÍS
Pedro Chagas Freitas