segunda-feira, 16 de junho de 2014

top. adoro este homem e tem tanta razão, mas tanta.

AGRADECIMENTO FOFINHO AOS LITERATOS DESTE PAÍS

Não sou filho de escritores, nem de músicos, nem de presidentes de associações culturais, nem de editores, nem de livreiros. Sou filho orgulhoso dos meus dois heróis: um funcionário público e ...uma empregada de escritório (que mais tarde se tornou, por culpa das necessidades da vida e de uma personalidade de antes quebrar que torcer, esteticista – já depois dos seus quarenta anos).
Não sou amigo de ministros, de presidentes da república, de políticos. Sou amigo de poucas pessoas e estou-me nas tintas para as suas profissões.
Não frequento capelas literárias, não lambo botas a proeminentes figuras da cultura, sejam elas de esquerda ou de direita, não procuro protagonismo nem agradar a quem quer que seja. Frequento cafés de bairro, recintos desportivos, parques públicos, festas populares – e sobretudo a minha casa e a casa daqueles que amo e que quero bem.
Não faço questão de mostrar que li os clássicos, não uso citações de autores unânimes, não me esforço para escrever a literatura que os iluminados gostam de ler. Escrevo o que bem me apetece, quando bem me apetece, da maneira que bem me apetece.
Não creio que a literatura possa ser avaliada à luz de cânones, de preconceitos, de redes fascistas de análise. Creio que há dois tipos de literatura: a que mexe comigo – que é a boa; e a que não mexe comigo – que é a má. Seja escrita pelo escritor que vence prémios seja escrita pelo adolescente que responde no exame. Se mexe comigo é boa; se não mexe comigo é má.
Não me interessa particularmente que me chamem escritor, ou artista, ou qualquer coisa do género. Não me levo a sério em nada e muito menos naquilo que escrevo. Interessa-me que me chamem Pedro, porque é o meu nome, e que vejam em mim apenas isso: um Pedro como outro qualquer.
Não sou intelectual, nunca fui intelectual e nunca serei um intelectual. Sou um gajo que tenta ser porreiro, nada mais, e que tudo o que quer é estar de bem com a vida.
Não acredito em leitores de primeira e em leitores de segunda. Acredito que todo o leitor merece igual respeito, seja qual for a sua ocupação ou a sua formação. Porque a arte não é elitista. As pessoas é que o podem ser.

Em Portugal, meia dúzia de iluminados publica outra meia dúzia de iluminados. Depois, meia dúzia de iluminados elogia - nos seus jornais, revistas, rádios e programas de televisão – outra meia dúzia de iluminados. Mais tarde, a meia dúzia de sempre convida a meia dúzia de sempre para os seus programas de sempre onde faz as mesmas perguntas de sempre com as mesmas respostas de sempre para o mesmo público de sempre. Até porque um artista genial dessa meia dúzia de sempre ganhou o prémio literário de sempre, decidido pelo júri de sempre, composto por dois ou três dessa meia dúzia de sempre. Uma mão lava – e suja – a outra, numa espécie de máfia silenciosa, cobarde, invejosa. É esta máfia que, mais do que tudo o resto, afasta pessoas da leitura. Porque lhes inculca a ideia, bacoca, de que só alguns conseguem escrever como deve ser, de que só alguns conseguem ler como deve ser, de que só os livros que eles querem ler é que devem ser lidos. E é assim que a máquina vai funcionando desde sempre: num círculo fechado, um fenómeno de masturbação selectiva que alimenta toda a gente. E quem vem de fora – um filho de um funcionário público e de uma empregada de escritório, por exemplo – não pode entrar. A não ser, claro, que esteja disposto a pedinchar atenção, validação, aprovação por parte dos Excelentíssimos Padrinhos. Mimalhos.

Os iluminados deste país estão incomodados com o meu sucesso. Dizem que é uma vergonha eu estar no top de vendas. E é. Onde é que já se viu alguém que não os conhece nem tem o mínimo interesse em conhecê-los vender mais do que eles? Dizem ainda que os meus leitores são todos burros, que não percebem nada de literatura, e que os bons escritores são outros – os que eles, curiosamente, conhecem. Destilam ódio por todos os lados, enviam-me mensagens, criticam-me nas redes sociais. E têm toda a razão, os pobrezinhos.
Mas hoje escrevo para repor a justiça – e para, com sinceridade e com carinho, lhes comunicar que é a eles, mais do que a todos os outros, que devo estar onde estou. É a eles que devo nunca ter desistido de escrever, nunca ter parado de lutar, nunca ter pousado a caneta. Porque foram eles, com a sua soberba bafienta, que me levaram a perceber que não é por decreto que se decide qual é a arte boa ou a arte má – muito menos o que é arte e o que não é. Vim do povo, tenho um prazer maluco de ter vindo do povo e estou-me borrifando para o que a elite intelectual tem para dizer sobre mim. E os meus leitores são tão bons como os deles (eu tenho a certeza de que são melhores, mas isso sou eu e a minha opinião nisto é tudo menos isenta). Sejam trolhas, engenheiros, calceteiros, linguistas, cantoneiros ou médicos. Recebo todos os dias dezenas de mensagens elogiosas, e emocionantes, de pessoas de todas as idades, de todos os estratos; tenho nas minhas apresentações centenas (sim: centenas) de pessoas de todas as idades, de todos os estratos - pessoas que já leram Rimbaud, pessoas que já leram os almanaques da Disney e o jornal “A Bola” ou “O Crime”, pessoas que ouvem o Toy e pessoas que ouvem Mahler. Isso interessa-me zero. Nicles. São leitores – e cada leitor merece, de mim, o mesmo respeito. Sem tirar nem pôr. E para mim a arte é isso: tocar nas pessoas, agarrá-las, abraçá-las, fazê-las sorrir, pensar, chorar, olhar, querer ou deixar de querer. Fazê-las ser.

Já vai longa esta humilde prosa – que na verdade serve apenas para agradecer aos literatos, do mais fundo de mim, todo o apoio e toda a força que me têm dado. Sem eles, podem ter a certeza, nunca estaria no top de vendas. Prometam-me, por favor, que continuam por aí. Será essa a garantia de que também eu por aqui continuarei.

P.S.: Aos meus leitores, aqui fica um obrigado muito especial. E um pedido: continuem a mandar bugiar quem quer domesticar com dogmas, com preconceitos, com prenoções patetas. Não precisam de gostar do que eu escrevo – mas se não gostarem façam-no mesmo porque não gostam, e não porque um monte de inúteis vos adestrou. Combinado?
 
Pedro Chagas Freitas