quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.".

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

Amar, só amei uma vez na vida. O fim foi lento e doloroso, muito doloroso. Mas nunca reneguei o sofrimento ou sequer o camuflei. Foi há muitos anos... há mais de 15. Ainda hoje me lembro daquela forma de entrega e sorrio. Nunca mais fui capaz de sentir o amor daquela forma. Gostei de mais pessoas, mas amar só amei aquele. E talvez por não ter saltado nenhum estádio referido no texto do Miguel Esteves Cardoso (quando for crescida, quero escrever como ele!) é que as coisas ficaram tão bem resolvidas dentro de mim. Não há nada desarrumado na minha alma quanto ao amor, porque nunca fui de evitar a tristeza, sou mais de chorar até ficar toda descabelada (totalmente demodé, eu sei! ou melhor hoje, seria apelidada de neurótica). Se é para sofrer, para quê dançar? E o contrário também acontece: quando estou feliz, nota-se a léguas e quando gosto de alguém, digo. Não escondo nada, não quero camuflar nada. Porque tal como o MEC diz neste texto é preciso viver o mau intensamente. Eu vivo o mau e o bom da mesma forma, até ao limite.
Por isso estou sozinha há tanto tempo, porque não pode ser qualquer um a dividir a vida comigo, porque não pode ser um ao acaso, tem que ser aquele. Aquele que está ali à frente à minha espera e que sempre esperou por mim, tal como eu espero por ele. Ele está numa praia, despenteado e com o maior sorriso do mundo: o meu amor.

13 comentários:

Há um amor que nunca morre disse...

Eu "camuflo" os meus sentimentos. Não sei fazer o luto das minhas relações. Vivo agarrada ao passado!
Falta-me saber "viver o mau intensamente"!
Mas numa coisa eu concordo contigo, eu também prefiro ficar sozinha e esperar por quem também espera por mim!!! :)

Este Blogue precisa de um nome disse...

Por isso é que sou latina, eu sou o que sou, não finjo nada. Levo tudo à frente para o bom e para o mau. Sou capaz do melhor e do pior. Eu não começo a sair à noite, nem a trabalhar feita louca para disfarçar nada, para figir que não sinto nada. Seria incapaz de tal coisa, a vida é tudo isto e eu vivo-a sempre, toda, completa, intensa, seja como for. E é essa intensidade que as pessoas não entendem, o meu primeiro amor entendia porque eu era uma miúda, ele mais velho do que eu e muito mais intenso. Um nómada que vivia de surf, peixe e viagens. Sempre atrás de ondas, de mar, da natureza, era livre e era ao mesmo tempo, meu. Muito meu :)

Raquel Pires disse...

Eu concordo imenso com essa "postura" na vida, talvez porque também seja assim, mas acho que é o mais sensato mesmo, porque como tu dizes assim não ficamos "mal-resolvidas" em nada!

Este Blogue precisa de um nome disse...

Adenda: mas este meu amor está totalmente arrumado, nunca me lembro dele é totalmente passado e só por causa do texto do MEC (deixado por uma leitora) é que tornei a lembrar-me dele. Nunca me lembro dele mesmo, já não pensava nisto há anos e até tive dificuldade em lembrar-me do nome da música :)

R. disse...

Rita, vou levar o texto do MEC comigo. Obrigada. Era tudo o que precisava ler hoje :)

Há um amor que nunca morre disse...

Compreendo-te perfeitamente, eu também tive um primeiro amor, também ele mais velho que eu, mas que também ficou caso arrumado!
Demorou a arrumar, mas quando aconteceu, foi de vez!
Agora que me fizeste lembrá-lo, um dia hei de escrever sobre ele no meu blog!
Foi a história mais bonita da minha vida!! ;)

Palco do tempo disse...

bonito de ler as tuas palavras...

Geri disse...

Na minha opinião o melhor texto do MEC. No dia que me divorciei uma amiga enviou-mo por mail e chorei o tempo todo enquanto o li. Concordo com cada palavra que ali está. Mas infelizmente ainda não esqueci o meu amor, acho mesmo que nunca o irei esquecer.

PinkLady disse...

Este texto do MEC é tão maravilhoso... Aliás, como o são quase todos. É tão verdade!
A vida é para ser vivida... E vivida intensamente... Mas infelizmente a vida não é só o bom... É o bom e o mau! E ambos têm tanto para nos ensinar... Ambos devem ser vividos da mesma forma! Se não o fizermos, passaremos por cada momento da nossa vida sem retirarmos o que ele tem para nos dar!!!
Se tenho que chorar, choro como se não houvesse amanhã... E cada vez tenho menos "vergonha" de o mostrar... Se o meu coração está em pedaços, então vou recolhê-los por aí e quando estiver recomposto, quando as feridas estiverem saradas, certamente terei ganho uma nova ferramenta para a próxima batalha!!!!

M disse...

Já há tanto tempo que um texto não me dizia tanto... O mau, vivo-o intensamente, sem fingimentos.. E desde então algo se quebrou em mim!
Há meses que encerrei o meu blog, perdi a inspiração, perdi o encanto pela vida... hoje com este texto resolvi voltar a criar um... afinal, continuo a ver os blogs habituais todos os dias, continuo aqui atrás da cortina, continua a ser uma paixão, que tal como tudo na minha vida ficou desvanecido!!!
Obrigada por partilhares este texto magnifico, que tanto se identifica comigo!!

Eva disse...

Já conhecia o texto adoro. Eu já amei duas vezes. Um a vida tirou-me para sempre num segundo. O outro eu amo-o a ele. Ele ama-me a mim. Não conseguimos viver um com o outro. Vamos vivendo.. Um sem o outro. **

Este Blogue precisa de um nome disse...

M'

Não imaginas o quão feliz fico com a tua decisão... Beijo :)

ladybug disse...

Concordo com o MEC, mas também acredito que se soubermos abrir o nosso coração, podemos não encontrar o mesmo amor, com a mesma intensidade, apenas uma nova forma de amar...todos os amores são diferentes.