terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

"Quando viu o filho agonizante, Margarida foi à sala de visitas buscar a colcha do pássaro de fogo a bater asas e penosamente arrastou-a até à cama de Mário, para cobri-lo com ela. Com as suas mãos nas minhas e a colcha dela a cobrir-me já posso morrer disse ele. E ela, com as lágrimas a ensopar-lhe o sorriso, tantas que teve de desandar a saia para enxugar os joelhos, Pois Márito, meu menino, já podes morrer...A esta hora estão eles a preparar no céu a festa com que hão-de receber-te. Puseram colchas como as da Tininha à janela das nuvens, está o céu cheio de aves do paraíso e acenderam todas as estrelas que há e estão os anjos a ensaiar cânticos para a tua chegada, com muito cuidado e compostura para que lhes não aches desafinação. E numa cadeira feita de flores à direita de Deus Pai te hás-de assentar para a tua primeira refeição no paraíso. E há-de vir Nossa Senhora e te há-de beijar como eu te beijo que sou tua mãe e te dirá, aqui a saudade não mata e o amor não doí.
Margarida ficou assim, a falar-lhe baixinho, a moer um litania de palavras, a cantar-lhe canções de embalar, o menino está dormindo no colo de sua mãe, no colo de sua mãe, no colo de sua mãe, até que a noite se fez tão negra e as mãos dele tão frias, que já não conseguia largá-las nem para enxotar as lágrimas, horas e horas naquela pergunta sem resposta, porquê, meu menino, porquê, até que o sol nasceu e lhe entregou, na primeira luz de Outubro, o filho morto."
Rosa Lobato de Faria
Excerto de "Passáros de Seda" (dos livros mais bonitos que li da autora).